Uma noite no Paradiso
Ontem, arrastada por uma amiga e convencida pelo irrisório preço do ingresso, fui assistir a um concerto da Kimya Dawson. Dela apenas sabia que o sucesso lhe chegou depois de ter feito a banda sonora do filme Juno, que até hoje (se calhar apenas até ontem…) não tive vontade de ver. Passei os olhos no YouTube só para garantir, mas a minha ligação à rede a uma velocidade de 11Mb não deu para perceber grande coisa. Ficou claro que o concerto era acústico e, assim, sem bateria e grandes guitarradas eléctricas seria menos cansativo. Decidi e fui. Cheguei tarde e logo me arrependi de ter perdido as primeiras canções. A Kimya Dawson é de uma transparência deliciosa. Fala da vida, das pessoas, dela, dos outros, cantando. Fala com uma doçura invulgar, canta depressa mas tudo parece lento, arrastado, com o tempo da realidade das coisas que relata.
Mas o bilhete permitia a presença no Paradiso – uma antiga igreja transformada em sala de espectáculos e night club – até às 5 da manhã, e do cardápio constavam ainda mais dois concertos. Porque era bónus, ficámos. Afinal, era cedo.
Subiu ao palco um homem de guitarra, que, mais tardem, soube chamar-se Howe Gelb e um outro no contrabaixo, e os dois deram um concerto fantástico, numa alusão a Lou Reed ou Nick Cave (em versão soft), com alguma coisa – talvez uma semelhança física melhorada – de Leonard Cohen. Uma voz extraordinária! Impressionante, tanto mais que a extensão bónus da Kimya, que já havia surpreendido e tanto, não prometia coisa nenhuma. No final estava tudo de olhos e boca aberta. E ainda havia mais um concerto, que se fosse mau já nem importava. Mas não foi. Foi um momento mágico.
Doze músicos em palco: piano, teclas, várias guitarras, umas acústicas, outras eléctricas, percussão, violino, violoncelo, contrabaixo, acordeão, trompete, instrumentos que, perdoem-me a ignorância, não soube identificar, e todos a fazer coros. Um cruzamento de vários sons e uma harmonia incrível entre todos. Chamam-se Willard Grant Conspiracy e já virei groupie (aliás, à saída já vinha de CD comprado e assinado)! O concerto foi arrepiante. A sala inteira (já mais vazia depois da Kimya, que devia ser a atracção da noite, mas ainda assim com muita gente) estava com os olhos, os ouvidos e a alma no palco. A música, o tempo dela, a entrada dos instrumentos, a sua sequência, estava tudo perfeito. Dos doze não havia uma estrela, ninguém que brilhasse mais. A estrela era o todo e aquela música. Tratou-se da apresentação do álbum Pilgrim Road, e quem lá esteve fez o caminho todo, alguns, como eu, experimentando uma felicidade tão grande, tão invulgar, tão arrebatadora, tão inesperada.
1 Comments:
Estou com inveja!
Concertos? Descobri há dias que o único espectáculo que tenho na agenda para ver, com bilhete comprado há mais de três meses, vai calhar certeiro num dia em que Portugal joga o Euro...
Tive que sorrir com a coincidência. Para não chorar.
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